Seráfica Mãe Sta. Clara

“A nossa Ordem nasceu da inspiração do Senhor ao bem-aventurado Francisco de Assis para viver na Igreja segundo a forma do santo Evangelho. A Santa Madre Clara, plantazinha do Pai Francisco, participante desta vocação, no-la transmitiu.” (CCGG)

Em 1193 ou 1194, em Assis, nasce Clara, filha primogênita da Beata Hortolona e do senhor Favarone, irmã de Catarina, futura Santa Inês de Assis, e da Beata Beatriz. De família nobre e religiosa, foi introduzida desde a mais tenra idade na piedade cristã e no serviço de Deus. Aos pouco “foi compreendendo que as coisas da terra, por mais belas que fossem, não podiam prender seu coração” (Celano).

Durante sua gravidez, Hortolana, sentindo aproximar-se a hora do parto, orava na igreja em frente ao crucifixo, implorando a graça de um parto feliz, quando ouviu uma voz que lhe dizia: “Não receies senhora, porque de ti nascerá, sã e salva, uma luz de brilho mais claro que o próprio dia”. Fiel a esta profecia, quis que a recém-nascida fosse batizada com o nome de Clara.

A menina recebeu dos lábios da mãe os primeiros rudimentos da fé. Estendia as sua mãos magnânimas aos pobres e da abundância de sua casa, auxiliava muitos necessitados. A santa oração era a sua ocupação preferida. Como não dispunha duma corda de nós para contar as orações, usava um conjunto de pedrinhas para se orientar nas suas orações ao Senhor. Usava escondido, sob os vestidos preciosos e finos, um pequeno cilício. Exteriormente aparentava fausto e riqueza, mas por dentro revestia-se de Cristo. Por fim, quando os seus a quiseram casar com um homem de nobre linhagem, não aceitou.

Por volta de seus 16 anos, “quando ouviu falar do então famoso Francisco que, como homem novo, renovava com novas virtudes o caminho da perfeição, tão apagado no mundo, quis logo vê-lo e ouvi-lo, movida pelo Pai dos espíritos, de quem, embora de modo diferente, tinham recebido os primeiros impulsos” (Celano). Havia confiado a Francisco como desejava realizar sua vocação e ele a guiaria para cumprir os desígnios de Deus. “Então se submeteu toda ao conselho de Francisco, tomando-o como condutor de seu caminho, depois de Deus. Por isso, sua alma ficou pendente de suas santas exortações, e a acolhia num coração caloroso tudo que ele lhe ensinava sobre o bom Jesus. Já tinha dificuldade para suportar a elegância dos enfeites mundanos, e desprezava como lixo tudo que aplaudem lá fora, para poder ganhar a Cristo”, completa o seu biógrafo.

No Domingo de Ramos de 1212, pela manhã, Clara vai à Santa Missa, e, absorta em oração, não se dirige ao prelado para receber a palma, mas o próprio bispo, Dom Guido II, vai a ela e lhe dá o ramo de oliveira. É este o sinal! Com a bênção do bispo, enquanto todos dormiam, Clara foge para a igrejinha da Porciúncula, onde a esperam Francisco e seus frades. Lá recebe o burel franciscano e tem os cabelos tonsurados, ratificando sua total consagração ao serviço do Senhor.

O Seráfico Pai a conduziu ao mosteiro beneditino de São Paulo das Abadessas, para sua segurança, até que a Providência dispusesse outra coisa. Os familiares, ao descobrir sua fuga, dirigiram-se apressadamente para lá, afim de reconduzi-la à casa. Clara agarra-se ao altar da igreja e, segurando a toalha com uma das mãos, com a outra retira o véu da cabeça, mostrando-lhes a tonsura de seus cabelos. Diante de tanta firmeza, aos familiares outra coisa não restou senão abandonarem o mosteiro e partirem confusos.

Clara permaneceu alguns dias em outro mosteiro, Santo Angelo de Panzo. Ali recebeu, alegremente, sua irmã Catarina, desejosa de seguir a Cristo pobre. Foi o próprio São Francisco quem lhe deu o santo hábito e o novo nome de Inês pela sua admirável resistência à violência dos familiares que queriam, a todo custo, conduzi-la de volta à casa paterna.

Após alguns dias, a Seráfica Mãe chega ao local no qual consumará seus 42 anos de vida religiosa: o mosteiro de São Damião! Conta-nos o biógrafo: “Aí, cravando já no seguro a âncora do espírito, não flutuou mais por mudanças de lugar, não vacilou diante do aperto, nem teve medo da solidão. Era a igreja em cuja restauração Francisco suara com tão admirável esforço, oferecendo dinheiro ao sacerdote para reparar a obra. Foi nela que, estando em oração, Francisco ouviu uma voz que brotava (cfr. 2Pd 1,17) do madeiro da cruz: ‘Francisco, vai, repara minha casa que, como vês, se desmorona toda’. A virgem Clara fechou-se no cárcere desse lugar apertado por amor ao Esposo celeste. Abrigando-se da tempestade do mundo, encarcerou seu corpo por toda a vida. Aninhando-se nas fendas dessa rocha, a pomba de prata (cfr. Ct 2,14; Jr 48,28) gerou uma fileira de virgens de Cristo, instituiu um santo mosteiro e deu início à Ordem das senhoras pobres.”

Afinal, Francisco o havia predito muitos anos antes, como conta Clara em seu Testamento: “Tendo subido no muro da dita igreja, assim gritava então, com voz elevada e em língua francesa: ‘Venham e ajudem-me nesta obra do mosteiro de São Damião, porque, dentro em breve, virão habitá-lo mulheres e, por sua fama e pela santidade de sua vida, dar-se-á glória ao Pai nosso celeste, em toda a sua Santa Igreja'”.

Assim se define a vida em São Damião: uma vida claustral simples, austera, penitente, pobre, fraterna e alegre.

O Pai Francisco, como verdadeiro fundador, deu-lhes uma breve forma de vida, que depois nossa Mãe Clara saberá introduzir ao escrever a sua Santa Regra. Em várias ocasiões, nosso Pai e seus frades, recorrerão às orações das irmãs, assim como os habitantes de Assis.

Em 1216, Clara consegue do papa Inocêncio III a aprovação do “Privilégio da Pobreza Seráfica”, que está em vigor até os dias atuais. O Privilégio consiste em que ninguém possa obrigar as irmãs a possuírem coisa alguma.

No mosteiro de São Damião, a Mãe Clara praticou de maneira heroica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a humildade, o espírito de piedade, de penitência e caridade. Não obstante fosse a abadessa, ela queria servir pessoalmente as irmãs enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes. Lavava os pés das irmãs e os beijava, fazendo sobre eles o sinal da cruz.

A sua fé na presença real da Eucaristia era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento milagroso. Os soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o mosteiro de São Damião, e em certa vez, chegaram mesmo a adentrar o claustro. “Completamente atemorizadas, as pobres damas, acolheram-se chorosas à proteção da mãe. Ela, que jazia enferma, permaneceu serena. Pediu que a conduzissem à porta e que a pusessem em frente do inimigo, precedida do cibório de prata contendo o Corpo do Santo dos Santos. Depois, prostrada de bruços em oração ao Senhor, entre lágrimas falou ao seu Cristo: ‘Vais permitir, meu Senhor, que sejam entregues às mãos do inimigo estas tuas filhas indefesas, que no Teu amor criei? Eu Te peço, Senhor, protege estas tuas servas, uma vez que eu não estou em condições de as poder defender’. Em seguida, desde o propiciatório da Nova Aliança (cf. Nu 7, 89), ouviu-se como que uma voz de criança que lhe dizia: ‘Eu sempre vos guardarei’. ‘Meu Senhor, acrescentou ela, se é do teu agrado, protege também esta cidade que por teu amor nos sustenta’ . Ao que Cristo respondeu: ‘Sofrerá muitas tribulações, mas com a minha proteção será defendida’. Então, levantando o rosto banhado em lágrimas, conforta as que choram, dizendo-lhes: ‘Filhinhas, garanto-vos, com toda a confiança, que nenhum mal vos acontecerá, basta para tanto que confieis em Cristo’ “. Devido a este episódio, a iconografia colocará na mão de nossa Mãe Clara a Sagrada Eucaristia.

Em 1253, a bula com a aprovação da Forma de Vida, é levada para Clara em seu leito de morte. Regra que é observada nos mosteiros da Ordem até os dias de hoje.

O Papa Alexandre IV canonizou-a dois anos depois da sua morte, em 1255, delineando um belo elogio em sua Bula de canonização: «Como é vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a sua fama clamava» (FF, 3284)

De seus escritos foi nos deixado, além da Santa Regra, seu Testamento, a Bênção e cinco cartas. Quatro delas são dirigidas à Santa Inês de Praga, clarissa, filha do Rei da Boêmia, que teve um papel muito ativo na busca da aprovação da Regra.

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