Memória litúrgica, 2 de março
(Calendário Romano-Seráfico)
Virgem, religiosa da Segunda Ordem (1211-1282). Beatificada em 1874 pelo Papa Pio IX e canonizada em 12 de novembro de 1989 pelo Papa João Paulo II.
Filha do rei da Boêmia, Premysl Otakar I, nascida na primeira década do século XIII, Inês estava aparentada com as principais famílias reais e principescas da Europa Central e da Dinamarca. Por parte do pai descendia da célebre estirpe dos Santos Ludmila e Venceslau; Santa Edwiges da Silésia era sua tia-avó, sendo ainda Santa Isabel da Turíngia sua prima e Santa Margarida da Hungria sua sobrinha. Pôde, todavia, gozar só por pouco tempo da serenidade da vida familiar. Com a idade de apenas três anos foi, ao mesmo tempo em que Ana sua irmã mais velha, enviada para junto das monjas cistercienses de Trébnica perto de Breslávia, onde naquele tempo vivia Santa Edwiges. Foi esta sua parente que lhe ensinou as verdades fundamentais da fé e as primeiras orações, e a formou na vida cristã. (1) Neste tempo começou a compreender aquilo que a Idade Média pedia de maneira toda particular aos nobres: eles deviam ser santos. Ser nobre queria dizer: dever tornar-se santo!(2) O exemplo da tia imprimiu-se profundamente no coração de Inês e acompanhou-a depois por toda a vida.
Quando completou seis anos, passou para o mosteiro premonstratense de Doksany, onde aprendeu a ler e a escrever. Já nesse tempo amava tanto a oração que a preferia ao invés dos jogos com as companheiras. O noivado com Henrique, rei da Sicília e da Alemanha, filho do imperador Frederico II, tirou, porém Inês, aos oito anos, da tranquilidade do mosteiro e transferiu-a para o ambiente mundano da corte de Viena, onde iria adquirir a educação digna de uma futura imperatriz. Mas Inês não se sentia à vontade. Dava muitas esmolas, mortificava-se com frequentes jejuns, e consagrou-se totalmente à Mãe de Deus desejando conservar intacta a própria virgindade.
O noivado terminou por ser anulado, mas com isto a princesa da Boêmia não ficou liberta de especulações políticas que se faziam a seu respeito na corte real de Praga. Até o imperador Frederico II a quis como esposa, e o projeto não foi avante unicamente graças ao Papa Gregório IX, que, aos seus pedidos, interveio junto do irmão de Inês (1). É bom dizer que a resposta do imperador a essa recusa foi de fato imprevista e maravilhou a todos. Escrevia assim: “Se uma semelhante injúria nos fosse causada por qualquer outro homem, jamais nos cansaríamos de vingar o ultraje de um tão desonroso desprezo. Mas, no momento que Inês preferiu a nós, um mais Nobre Soberano, não consideraremos jamais essa escolha como uma afronta, mas a aceitamos como vontade de Deus”. A notícia desta recusa, não deixou de se espalhar por toda a Europa despertando grande admiração. Inês desejava com todo o coração viver o ideal do Evangelho e “cuidar das coisas do Senhor, para ser santa de corpo e de espírito” (1Cor 7, 34) (1).
Inês, desejosa de levar a termo o seu tão sonhado propósito, chamou a si alguns Frades Menores aos quais, mais que a outros religiosos, por inspiração divina, se sentia afetivamente unida. Queria de fato ser informada sobre a Regra seguida pelas Irmãs Pobres, que viviam na clausura nos arredores de Assis, na igreja de São Damião.(2) Privou-se, portanto, de todas as joias, ornamentos e vestidos preciosos e distribuiu o dinheiro aos pobres. O exemplo de Santa Edwiges e de Santa Isabel da Turíngia, “consoladora dos indigentes”, levou-a a fundar em Praga um hospital com a anexa confraria dos Crucíferos da Estrela Vermelha para o cuidado dos doentes (1). Os Crucíferos tinham como ideal evangélico “estar a serviço” e escolheram viver sob a Regra de Santo Agostinho, colocando-se sob a proteção da princesa e de toda a família real de Praga. Durante os séculos seguintes, seus membros foram propagadores e defensores dos ideais franciscanos no espírito da princesa boêmia, que passou a ser considerada fundadora desta Ordem masculina (3). Depois de conhecer os Frades Menores e de ter construído a igreja e o convento de São Francisco para os mesmos, mandou construir junto a estes um mosteiro para as Irmãs Pobres, no qual ela mesma pretendia ingressar. Neste mosteiro a princesa Inês organizou a vida religiosa, solicitando um grupo de irmãs diretamente do Mosteiro de São Damião de Assis. Porém não foi de Assis, mas de Trento que obteve cinco irmãs clarissas, por bula de Gregório IX. Com estas clarissas e mais sete jovens da nobreza boêmia, iniciou a vida religiosa na festa de Pentecostes de 1234 no Mosteiro das Pobres Damas de São Damião de Praga, vivendo reclusa até sua morte em 1282 (3). Em 3 de agosto de 1234, o sumo Pontífice nomeou Inês como abadessa.
O papa Gregório IX, a 15 de abril de 1238, acolheu com grandes elogios a renúncia que a princesa boêmia fazia de todos os seus bens, inclusive das rendas do hospital São Francisco de Praga. A partir de então, foi necessário construir um novo mosteiro, mais amplo, para acolher o grande número de vocações. Para este mosteiro, intitulado São Francisco, transferiram-se as irmãs, com a sua abadessa Inês. O crescimento da comunidade havia sido fabuloso: as irmãs já chegavam a cem neste período e continuaram aumentando.
Naquele tempo, as Irmãs de Pobres de S. Damião observavam a Regra de S. Francisco e as Constituições do Cardeal Hugolino de 1219, pois a Forma de Vida, escrita por Clara, só foi aprovada em 1253. É digno de recordação o empenho espiritual assumido por Santa Inês na questão da Regra. A Mãe Clara animou Inês nesta luta, com energia e confiança. São testemunha as quatro cartas mandadas a ela nos anos entre 1233-1253. Sem desanimar, Clara de Assis e Inês de Praga, continuaram a lutar com esperança, lado a lado, sem parar. Inês escreveu várias vezes aos papas e, vinte e dois documentos papais lhe foram dirigidos, em decorrência de solicitações que fazia à Santa Sé. Em 15 de abril de 1238, conseguiu a aprovação do Privilégio da Pobreza para o seu Mosteiro de São Francisco de Praga (3).
No dia 9 de agosto de 1253, dois dias antes da morte de Clara, chega ao Mosteiro de São Damião a Bula de confirmação da Regra das Irmãs Pobres. A notícia da morte da Seráfica Mãe e com ela também aquela referente à aprovação da Regra difundiu-se rapidamente, e chegou também em Praga junto com o texto autêntico da Regra recentemente aprovada. Uns anos depois, o papa Alexandre IV aprovou este novo modo de viver para o mosteiro de Santa Inês.
Apesar de nascida de estirpe real, não tinha horror em se dedicar aos mais humildes trabalhos, mesmo quando eleita abadessa. Acendia o forno a lenha e cozinhava para toda a comunidade, e enviava ainda aos enfermos e doentes da cidade, e aos frades mais necessitados. Lavava a roupa das enfermas e remendava-as de noite, provando que o edifício de sua vida espiritual se apoiava no sólido fundamento da humildade. Gostava de estar só como oportunidade para dedicar-se à oração e contemplação, durante a qual muitas vezes caía em êxtase. Não falava demasiado com as irmãs, mas quando se lhes dirigia, as suas palavras eram ardentes do amor a Cristo e do desejo do paraíso, tanto que dificilmente reprimia as lágrimas. Guardava, como preciosa herança dos santos fundadores Francisco e Clara, a veneração da Ssma. Eucaristia, e a Inês se deveu a continuidade desta santa devoção também noutros mosteiros da Ordem, culminando mais tarde no desejo da comunhão quotidiana. A sua caridade foi alimentada pela oração centrada na paixão de Cristo. Cristo sofredor foi para ela, de fato, a expressão do supremo amor e a Sua Cruz dava-lhe conforto, quando com uma paciência heróica, sem se queixar nunca. O sofrimento acompanhava a Santa continuamente e, com frequência, adoecia. Uma vez, convencida que o fim estava próximo, quis receber o Viático, quando, então, uma voz interior assegurou-lhe que seria precedida na eternidade por todos os membros da família. E, de fato, durante a sua longa vida, viu morrer o pai, diversos parentes, os irmãos e irmãs, e entre estes o próprio Venceslau, que ela tinha conseguido reconciliar com o filho rebelde Premysl Otakar no seu próprio mosteiro, onde foi testemunha do beijo de paz entre eles, e viu ainda morrer quase todos os filhos de ambos. Para beber o cálice da dor até ao fundo, a 26 de Agosto de 1278, durante o ofício vespertino, teve a visão do trágico fim do sobrinho, o rei Premysl Otakar II, morto naquele dia na batalha de Moravske Polé. Também Clara, a sua irmã predileta, morreu muitos anos antes dela em 1253, no ano da morte do pai de Inês. A amizade entre uma e outra durou dois decênios, de modo que a Santa italiana amava a Santa da Boêmia como se fosse ao mesmo tempo sua mãe e filha. Antes de morrer despediu-se dela com uma carta comovedora, em que lhe chamou “metade da sua alma” (IV Cln.)
Era a Quaresma de 1282, quando a “Irmã Maior”, como a chamavam, chegando ao extremo das forças, deitou-se na cama da qual não mais se levantaria. Ela pediu humildemente os Sacramentos e recebeu-os com muita fé e veneração. Essa partida foi aliviada pelo afeto das Irmãs e dos Frades Menores, que a iam acompanhando, e pelo seu ardente desejo de encontrar-se com o Esposo celeste. Antes de morrer exortou ainda as irmãs a amá-lo fielmente e a segui-lo na humildade e pobreza, permanecendo, a exemplo dos Santos Francisco e Clara, sempre submissas ao Seu Vigário e à Sé de Roma. No dia 2 de março de 1282, segunda-feira da 3ª semana da Quaresma, depois da recitação da Hora Noa, no momento que estava para começar a Santa Missa conventual, toda iluminada no rosto, passou desta vida para a eternidade.
Seus restos mortais ficaram à veneração dos fiéis por diversos dias, antes de serem postos num túmulo, sem nenhuma suntuosidade. Não estavam presentes nenhum dos parentes da casa real de Boêmia, por causa das circunstâncias históricas desfavoráveis. Em compensação foi uma grande influência do povo que marcou presença, pois há tempo viam em Inês uma autêntica santa.
A vida de Inês apagou-se como círio votivo em circunstâncias particularmente tristes. Depois da morte de Premysl Otakar II, a Boêmia foi ocupada por exércitos estrangeiros, nela reinou desordem e violência, morria-se de fome e de peste, e diante das portas das Clarissas, que tinham as despensas vazias, amontoavam-se moribundos esfomeados à procura de auxílio.
Uma antiga profecia passou de geração em geração junto ao povo tcheco, devotíssimo de Santa Inês, também em épocas de perseguição religiosa. Esta profecia dizia que a Tchecoslováquia e os Países confinantes voltariam à fé quando fosse canonizada Inês de Praga. Não é sem um arrepio de comoção o constatar que os mesmos jornais que traziam a notícia da canonização estavam cheios de fotografias de jovens triunfantes sobre escombros e aberturas do muro caído de Berlim, da grande notícia da reabertura das relações entre a Sé Apostólica e a Tchoslováquia e das novas esperanças que tomaram conta dos Países do Leste Europeu.
Santa Inês de Praga vigia sempre sobre o seu povo e sobre a Europa. É mesmo lindo e consolador para nós, irmãs de clausura, nas muitas provas que a vida nos reserva, ver a paz e a fé reflorescer sobre os ossos de uma filha de Santa Clara! (4)
FONTES
1. (Carta do Papa João Paulo II – Do Vaticano, 2 de Fevereiro de 1982)
2. Nemec, Jaroslav – Agnese di Praga. In Forma Sororum marzo 1982 (pp.7-48)
3. http://inesdepraga.blogspot.com/
Tradução e organização
Mosteiro Maria Imaculada