“Como deveria eu esquecer jamais de Ti e da Cruz, tendo continuamente diante de mim este memorial do teu Sacramento?” (Santa Eustóquia de Messina, OSC)
Do “Livro da Paixão” de Santa Eustóquia de Messina
Como na quinta-feira, os discípulos prepararam a ceia e como Jesus lavou os pés aos seus discípulos.
À quinta-feira, que se chama o primeiro dia dos ázimos, estando o Senhor Jesus ainda com seus discípulos sobre o monte das Oliveiras, vendo os discípulos aproximar-se a festa dos Judeus, na qual, segundo o costume, se matava o cordeiro e comia-se com os ázimos, disseram ao Senhor Jesus: “Mestre, onde queres tu que preparemos para comer a Páscoa?” Aos quais ele respondeu: “Entrai em Jerusalém e, chegando, vos virá ao encontro um homem que leva uma ânfora de água. Segui-o até a casa onde ele entrar, e dizei ao dono da casa: ‘O Mestre diz: Onde é a sala onde eu comerei a Páscoa com os meus discípulos?’ E ele vos mostrará um cenáculo grande e naquele lugar preparai-a.” E indo eles, encontraram como o Mestre lhes havia dito e assim dispuseram e preparando aquilo que precisava, voltaram para junto do Mestre, referindo-lhe o que haviam feito.
E pela hora das vésperas, partindo o benigníssimo Jesus com todos os seus discípulos, vieram à cidade, àquele local onde estava preparado, isto é, uma casa de um notável e rico cidadão familiar e oculto discípulo do Senhor Jesus. A esta ceia vieram ainda alguns outros discípulos do Senhor; e estando tudo preparado, pôs-se o dulcíssimo Mestre a sentar-se à mesa com os seus doze apóstolos somente, e os outros serviam e traziam os alimentos, os quais aquele gentil homem havia feito preparar, e especialmente, segundo o costume da Páscoa, o cordeiro assado, e as ervas agrestes com o pão ázimo. Era esta mesa quadrada, baixa, segundo o costume dos judeus, a qual está hoje em Roma, e é larga, para cada um, um lado do quadrado, dois braços e um palmo; de modo que apertadamente podiam estar três discípulos em cada lado. E o Senhor Jesus se pôs num lado e começaram a comer. E depois que haviam comido um pouco, o piedoso Jesus, conhecendo que era chegada a hora de passar deste mundo ao Pai, querendo mostrar a seus discípulos o amor que sempre lhes tivera, levantou-se da mesa e despojando-se do manto que trazia e, pegando um pano, cingiu-o a si; depois, com as suas mãos santíssimas, tomou da água – a qual havia ordenado que fosse morna -, lançou-a na bacia e, olhando os discípulos e fazendo por reverência, ajoelhando-se no chão, começou por Pedro a lavar-lhes os pés. Havia feito os discípulos levantarem-se da mesa, levando-os a um outro lugar. E Pedro, vendo o seu Mestre e Senhor reclinando-se adiante para lavar-lhe os pés, cheio de espanto, lhe disse:“Ó Senhor que é isto que me fazes? Vais Tu lavar os pés?” Ao qual, o manso Jesus respondeu: “Pedro, aquilo que eu faço, tu não sabes agora, mas sabê-lo-ás depois.” E Pedro respondeu: “Senhor, Tu não me lavaras os pés jamais.” E Jesus lhe disse: “Se eu não te lavar os pés, não terás parte comigo.” Então Pedro, amedrontado por esta resposta, estendendo-lhe os pés, disse:“Senhor, não si os pés, mas as mãos e a cabeça.” E, tendo lavado os pés a Pedro, lavou-os a todos os discípulos e a Judas o qual, pela resposta que havia dado a Pedro, não teve coragem de contradizer. Depois, retomando à mesa, e sentados como antes, o suavíssimo Jesus começou a falar a eles, e disse: “Sabeis vos o que eu vos fiz? Vós me chamais Senhor e Mestre, e dizeis bem porque assim o sou. Se eu, então, que sou vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, assim vós deveis lavar os pés uns dos outros; porque eu vos dei o exemplo que, como eu fiz, façais vós.”
Considera aqui, alma devota, que em Jesus te queres deleitar, todos os atos maravilhosos que fez nesta Ceia.
E, se queres experimentar desta Ceia suavíssima, põe-te a servir o Teu suavíssimo Esposo. Considera a grande humildade do manso Jesus, o qual, sendo Senhor e Mestre de todos, se humilhou a lavar os pés. Vê quanto é grande a sua humildade. Vê que se despoja, como fazem os servos. E tu, devotamente tomas as Tuas vestimentas, tendo-lhes estreitadas em teu peito. Vê a sua grande limpeza, que Ele cinge em torno de si um pano: e tu devotamente põe-lhe este quando o pede. Vê a profunda humildade, que Ele mesmo põe a água na bacia: e tu, devotamente, ajuda a jogá-la. Vê como humildemente se ajoelha aos pés dos discípulos: e tu, humildemente, com pranto, ajoelha-te diante de teu Esposo, que por ti tanto se humilhou. Olha ainda a sua grandíssima benignidade para com o seu traidor: humilhou-se a lavar os seus pés. E brevemente considera todos os atos que fez, e a todo ato faze presente, se queres ter devoção.
Como na ceia comunicou aos seus discípulos e instituiu o Sacramento de seu Corpo e de seu Sangue; e como predisse que deveria ser traído.
Lavados que foram os pés aos discípulos, e depois estando a comer, tomou o Senhor Jesus do pão, que estava sobre a mesa e, rendendo graças a Deus, o abençoou, e fazendo doze partes, deu-as a cada um dos discípulos, dizendo: “Tomai e comei; este é o meu Corpo que por vós será traído. E fazei isto em minha comemoração e memória.” Depois tomou o cálice e nele colocou vinho, rendendo graças, igualmente deu-o a todos, dizendo: “Bebei todos deste cálice porque e o meu Sangue do Novo Testamento, o qual por vós e por muitos será derramado, em remissão dos pecados.”
Depois disto, tendo comunicado, o doce Jesus, turbado em espírito, voltando-se para os discípulos, disse-lhes: “Em verdade, em verdade vos digo, que um de vós, que come comigo, deverá me trair.” Então os discípulos, ouvindo tal palavra, diziam: “Senhor, serei eu?” O Senhor então respondeu: “Um daqueles que põe comigo a mão no prato, é aquele que me trairá.” Mas por isso os discípulos não puderam compreender quem fosse, pois naquela hora mais de um colocava a mão no prato. E Judas, então, que era um daqueles, disse: “Mestre, sou eu?” Então o piedoso Jesus, não porém manifestando, disse: “Tu o dizes”, como se dissesse: “Tu mesmo o dizes, não eu.” Certamente é de crer que se o benigno Jesus tivesse manifestado o seu traidor, os outros discípulos não teriam podido resistir de saltar sobre ele. Pois, desejando todos saber quem fosse, Pedro fez sinal a João Evangelista, o qual o Senhor Jesus amava, e João, pela palavra que o Mestre havia dito, tinha se inclinado sobre o peito de Jesus para perguntar ao Mestre quem seria aquele. E João, inclinado sobre o peito do Mestre querido, disse: “Senhor, quem é aquele que te deve trair?” Ao qual o caro Mestre respondeu: “Aquele a quem darei o pão tinto, é esse.” E imediatamente, tomando uma fatia de pão, e estendendo-a deu-a a Judas; recebida a mesma, o demônio entrou nele. E então, voltando-se para Judas, o Senhor Jesus disse: “Judas, aquilo que deves fazer, fazei-o logo.” A tais palavras, nenhum dos discípulos compreendeu. Pois Judas era o ecônomo, e pensaram que o Senhor houvesse ordenado que comprasse alguma coisa para a festa, ou que desse alguma coisa para os pobres.
Aqui permanece, alma devota, e todas as coisas nomeadas rumina devotamente, e não sem lágrimas, pois o amoroso Esposo muito se deleita de lágrimas derramadas por seu amor na oração. Considera antes o admirável mistério de seu Corpo e Sangue que Cristo fez naquela Santíssima Ceia, e nota como este Sacramento instituiu para que se tivesse memória, e da sua Santíssima Paixão, e fala ao teu dileto Esposo, e dize-lhe: “Como deveria eu esquecer jamais de Ti e da Cruz, tendo continuamente diante de mim este memorial do teu Sacramento? Mas dá-me, doce Senhor, a graça de dignamente recebê-lO, e que experimente a sua doçura e suavidade, e tome o exemplo do ato que tu fizeste aos Teus discípulos diante do que comunicaste, isto é, que Tu lavas-te seus pés. Que eu lave e limpe primeiro as minhas mãos e meus pés pelas lágrimas da compunção e devoção interior; para que eu possa dignamente receber este Teu Sacramento e ter contínua memória de tua morte.”
Considera também com piedosa compaixão a amarga palavra que o doce Jesus reservou, depois da Ceia, aos seus discípulos, dizendo: “Um de vós me há de trair.” Pensa quanta dor cada um sentia, ouvindo que o seu Mestre lhes deveria ser tirado. E tu, juntamente com eles, chora, derramando piedosas lágrimas, dizendo: “Quem te deve trair, doce Mestre, benigno Senhor, quem te separará de mim? Quem te tirará de mim, dileto Jesus? Leva-me contigo, que eu morra contigo.”
O livro da Paixão, capítulo IV-V