Sta. Camila Batista Varani, OSC

Virgem religiosa da Segunda Ordem (1458-1524). Aos 7 de abril de 1843, o Papa Gregório XVI reconheceu o culto público, atribuído a ela desde tempos antiquíssimos, e declarou-a beata. Aos 8 de abril de 1891, Leão XIII aprovou as atas do Processo, em vista da canonização, e no dia 4 de fevereiro de 1892 os seus escritos. Aos 17 de outubro de 2010, Bento XVI a proclamou Santa.

Memória litúrgica: 30 de maio
(Calendário Romano-Seráfico)

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Santa Camila Batista nasceu em Camerino, em 9 de abril de 1458, filha do Príncipe Júlio César de Varano e da senhora Cequina do Mestre Tiago. Apesar de ter nascido fora do matrimônio, a menina cresceu no palácio do pai, onde recebeu uma educação adequada em artes e literatura sob os cuidados de Giovana Malatesta, esposa do príncipe. Sua vida é ociosa e serena, na qual não há lugar para uma verdadeira educação na fé, mesmo se lhe são dados aqueles conhecimentos religiosos que não podem faltar a uma nobre mulher do seu tempo.

Aos oito ou dez anos, aconteceu-lhe um fato que considerará mais tarde o início de sua vida espiritual. É Sexta-feira Santa e um santo frade franciscano, Domênico de Leonessa, prega a Quaresma na Catedral de Camerino. A pequena Varani quer “espontaneamente”, como ela mesma sublinhará em sua Autobiografia, ir escutar a pregação. Acolhe como dirigida pessoalmente a ela, a exortação do pregador de recordar-se da Paixão do Senhor ao menos na sexta-feira e de chorar pelo menos uma lagrimazinha só.

Algum tempo depois, faz voto a Deus de derramar cada sexta-feira ao menos uma lágrima por amor a Paixão de Jesus Cristo. Exteriormente, não se nota mudança em sua vida; é sempre a mesma jovenzinha descuidada que ama as brincadeiras e as festas. À sexta-feira, porém, não pode deitar-se se não derramou aquela lágrima.

Depois encontra um livro de meditação sobre a Paixão. Com sua linguagem sutil, anota que “parecia que foi escrito propositadamente para uma pessoa que não soubesse meditar. É uma coisa muito longa”, mas a jovem decide lê-la inteira, seguidamente, estando ajoelhada diante do crucifixo, cada sexta-feira. Com sua vontade forte, não retrocede no propósito, mesmo quando pode somente iniciar tarde da noite, muito cansada por causa dos habituais divertimentos que continua a amar. Porém, cresce nela o pranto sobre a Paixão, que não pode esconder, porque na corte as donzelas estão sempre juntas e não há lugares aptos para a oração. Indômita filha de chefes, Camila não dá explicações e não descuida de seu propósito, não obstante o falatório de suas companheiras.

O amor ao Crucificado a impulsiona também a jejuar na sexta-feira a pão e água e a levantar-se seguidamente no coração da noite para rezar no silêncio, entre as companheiras adormecidas. Mas vive ainda na contradição pela busca do prazer e pelo gosto que experimenta de viver em seu ambiente, que não quer deixar a nenhum custo.

Continua desse modo por três anos, até que, em seguida à pregação do franciscano Pe. Francisco de Urbino começa a sentir o chamado para a vida religiosa. Para Camila, estes chamados nascidos do amor ao Crucificado são “mais amargos do que o fel”, porque sente uma instintiva e forte repugnância pela vida religiosa. Na mesma ocasião, fala também com o Pe. Francisco, que a exorta a fazer-se religiosa, recebendo a recusa da orgulhosa Varani, que opõem todas as suas naturais resistências ao amoroso convite divino. Em seguida a essa purificação, o chamado interior se faz mais urgente e Camila não o queria sentir, mas não podia fugir pois “essas vozes — assim se exprime, não encontrando outro termo, — falam à alma e não ao corpo”. Cada vez que se coloca a rezar, lhe parece de “ir para a guerra. Porque há maior batalha do que esta? ”. É a última resistência de um coração que é completamente tomado pelo amor de Cristo e finalmente: “o livre arbítrio, o qual sempre esteve em sua força e vigor, então espontaneamente, não coagido, como juiz sentado a ver a cruel batalha, emite a sentença contra mim”. Aquilo que acontece após aquele “sim” que não teve testemunhas, mas que, como todas as coisas grandes, ocorreu no íntimo diálogo de Camila com seu Senhor, é ainda um acontecimento profundamente interior.

A oposição do pai, prevista e temida, se revela tenaz e duríssima. “Por dois anos e meio teve o coração endurecido”, mas no fim Deus mesmo lhe muda o coração. Narra ter “atravessado o mar vermelho e de ter sido colocada no deserto da santa Religião, isto é, no sacro Mosteiro de Urbino”.

Camila chega finalmente em Urbino no dia 14 de novembro de 1481, com a prima Gerinda. Vestindo o hábito da segunda Ordem franciscana, Gerinda se torna Irmã Isabel, enquanto Camila recebe o nome de Irmã Batista. A princesa de vinte e três anos que veste o hábito da pobreza não é uma principiante na vida espiritual. No mosteiro sente dever sempre mais progredir na pequenez e no escondimento, enquanto se alegra por haver encontrado um lugar no qual o intenso clima espiritual favorece extremamente a vida com Deus.

Camila se maravilhava enormemente na descoberta contínua do amor que Cristo tinha por ela, pecadora e digna somente de receber os seus castigos, Ele lhe havia manifestado como “no seu coração estava escrito com letras de ouro: “Ego te diligo Camillam” (te amo com um amor de predileção). A grande “tribulação amarga” que precede a sua “Profissão pela qual se turbou toda a Ordem franciscana: freis e irmãs, senhores e seculares”, tem fim em 1483. Enquanto ao seu redor move-se toda essa contradição, na sua Camerino, Júlio César Varani, que com grande dor deu seu consentimento a filha muito amada, decide assim fundar um Mosteiro de Clarissas em sua cidade.
No fim de 1483, os trabalhos terminaram e no início do ano seguinte, no dia 4 de janeiro o pequeno grupo de fundadoras, entre as quais se encontra Irmã Camila, entra no novo mosteiro. A santa declara a sua vinda a Camerino ser somente “por obediência” ao vigário dos Menores, “bem consciente que à Divina Majestade agradava que eu retornasse aqui”. O único elemento concreto sobre os inícios em Camerino, é a luta pela Altíssima Pobreza, para poder professar a primeira Regra de Santa Clara.

  Numa sexta-feira, as irmãs estão sentadas em torno da lareira a espera de ir para as completas, a última oração do dia. Uma irmã começa a cantar um “louvor” que fala da “alma bendita” que quer seguir o Senhor Crucificado. Ao lado dela, Irmã Camila, atenta a costurar, acolhe logo o silencioso convite e prossegue no canto. Porém, identifica-se a tal ponto na realidade expressa daquelas palavras que descrevem o sofrimento de seu Senhor, ao ponto de desmaiar. As irmãs, assustadas, pensam se tratar de uma doença. Ao invés, é um acontecimento todo espiritual que no êxtase a transporta aos pés da cruz, aonde revive em si os sentimentos de Maria. É um longo instante que dura até a uma da madrugada e se prolongaria mais ainda, se o amor pelas irmãs não a levasse a querer fazer cessar o seu sofrimento.

Em outra ocasião, o novo vigário chega ao mosteiro e depois de haver falado diante das irmãs, se dirige à jovem que se encontra no parlatório entre elas, exclamando: “Irmã Camila, prepara-te, porque quero te confessar antes que eu parta”. A reação é imediata como podemos esperar da orgulhosa e voluntariosa filha do senhor de Camerino. Sem refletir nem ao menos por um instante, responde: “mas eu não preciso me confessar! ” Então o padre insiste, revelando-lhe de ter-se sentido inspirado interiormente a propor-lhe a inaudita vontade. Mas a jovem irmã está irremovível. Naturalmente, apenas partiu Frei Pedro, Camila cai em si e se arrepende do próprio comportamento. Examinando-se interiormente, descobre pecados nunca confessados. Pela metade de setembro, perto da festa dos estigmas de são Francisco, faz a sua “confissão geral com grande sinceridade, luz e desprezo de si mesma”.

Poucos dias depois, tem uma visão interior. Afirma que lhe dava mais alegria de vê-la com os olhos da alma que “se houvesse visto com os olhos do corpo”. Trata-se de clara percepção da presença de uma belíssima Irmã Pobre diante da qual não se pode fazer outra coisa a não ser ajoelhar-se. A luz sobre a revelação interior lhe virá, no grau de “amor e devoção para com a gloriosa Mãe Santa Clara” que lhe permanece no coração. Descobre assim que se trata mesmo dela, e conclui: “se pelo sangue de Cristo irei ao Paraíso, conhecê-la-ei entre mil e mil e, abraçando-a, lhe direi: ’ minha Mãe dulcíssima, eras tu aquela que no mundo me visitaste! ’ ”. Poucos dias vêm a ela dois anjos com vestes cândidas e depõem a sua alma “aos dulcíssimos pés crucificados do Filho de Deus encarnado”.

Nas últimas páginas da Autobiografia, descobrimos que esta grande prova teve início durante a oitava do Seráfico Pai São Francisco, em seguida a uma fortíssima tentação que Camila chama: “campo da terrível luta, cercado ao redor por potentes inimigos”, das mãos dos quais “só com a força divina poderia fugir”. Jejua, ora, e na noite, em sonho, então não mais por aquela iluminação à qual estava habituada, e que agora lhe é subtraída, compreende o sentido daquilo que está ocorrendo. Colocou toda a vontade e todas as energias em permanecer constantemente em sua presença, mesmo se isto renova continuamente o sofrimento atroz da “ausência” d’Ele.

Em março de 1501, o Papa Alexandre VI (que não cometeu erros doutrinais, mas nas coisas temporais deixou-se dominar por César Borja, o duque Valentino), lança a excomunhão contra Júlio César Varani, sobretudo por motivos “financeiros”, que são um mal crônico dos príncipes da época. Em junho de 1501, César Borja, ocupando Urbino sem dificuldade, se aproxima sempre mais de Camerino. Seguem-se as fugas principescas, em suntuosas e confortáveis carruagens, exatamente enquanto um outro pequeno grupo, talvez somente duas pessoas, se afasta a pé em direção a Fermo. Trata-se de Irmã Camila e de uma outra clarissa, que tem a desventura de ser aparentada com os Varani. A presença delas no mosteiro poderia custar caro a todas as irmãs. Não sabemos porque as duas Clarissas vão a Fermo, que está sob a influência de Valentino. Irmã Camila e sua companheira colocam-se novamente a caminho em direção de Atri, aonde as esperam a duquesa Isabela Piccolomini Tedeschini.

Entre 8 e 9 de outubro, Júlio César Varani é assassinado. Em agosto de 1503 morre Alexandre VI. Para Irmã Camila e sua companheira vibra finalmente a hora do retorno. Em 1505, por mandato do Papa se dirige a Fermo, para fundar um mosteiro de Clarissas e permanece pouco mais de um ano. Os poucos documentos destes anos nos dizem que é repetidamente eleita abadessa: então nela tudo é dom e disponibilidade. Em 1511 morre Giovana Malatesta, a mãe adotiva. De cerca de 1512 nos resta um escrito breve no qual a irmã narra duas visões de Santa Catarina de Bolonha, a mestra espiritual das Irmãs Pobres do seu tempo. Nos últimos anos de sua vida, seu sobrinho, é assassinado barbaramente.

Após estes eventos, as crônicas não falam mais dela. A única notícia que encontramos, é aquela de sua morte, ocorrida no dia 30 de maio de 1524. Não conhecemos o caminho destes últimos anos, nem a doença que a conduziu ao encontro com Cristo.
Aos 7 de abril de 1843, o Papa Gregório XVI reconheceu o culto público, atribuído a ela desde tempos antiquíssimos, e declarou-a beata. Aos 8 de abril de 1891, Leão XIII aprovou as atas do Processo, em vista da canonização, e no dia 4 de fevereiro de 1892 os seus escritos. Aos 17 de outubro de 2010, Bento XVI a proclamou Santa.

Hoje, de Irmã Camila Batista Varani, restam os despojos mortais, guardados numa urna no mosteiro de Camerino para a veneração das Irmãs Pobres e fiéis camerinenses.

Reforma camerinense 

A figura de Camila Varani está ligada intimamente a esta reforma, que abrangeu inicialmente três mosteiros: Camerino, Urbino e Fermo. Santa Camila ingressou no Mosteiro Santa Clara de Urbino, de Clarissas Urbanistas. O contato com os Frades Menores da Observância, já mantido em Camila antes de seu ingresso no Mosteiro, levaram-na a desejar de todo o coração abraçar a Regra de Santa Clara, com o ideal primitivo de pobreza, silêncio e oração. Mais tarde, também o Mosteiro de Urbino, de onde saíra, passar a viver a Regra de Santa Clara, por influência direta do testemunho de Camila e de suas companheiras. Em 1505, funda o Mosteiro de Clarissas na cidade de Fermo. A obra reformadora de Camila alcança também grande influência noutros Mosteiros, pela difusão do corajoso empenho por ela empreendido e pela fama de sua santidade e intensa vida mística. Tendo sido várias vezes Abadessa em Camerino, berço da reforma, organizou a vivência de tal maneira que se aproximasse o mais possível da vida primitiva das damianitas do Mosteiro de Assis. Pobreza rigorosa, simplicidade, oração, sororidade e trabalho. Sendo filha de uma época tremendamente conturbada, a nível social e eclesial, deu testemunho de fidelidade à Igreja. As fundações feitas por ela tem o apoio da Sé Apostólica e de Frades Menores da Observância, como o Beato Domênico de Leonissa e Frei Francisco de Urbino.


BIBLIOGRAFIA: 

1. OMAECHEVARRIA. Ignacio, – Las Clarisas a través de los Siglos. Editorial Cisneros. Madrid 1972, p 126.
2. PIETRO, Luzzi – Camilla Battista da Varano – Uma spiritualità fra Papa Borgia e Lutero. Piero Gribandi Editore, Torino 1989.
3. Camilla Battista da Varani (Irmã Chiara Giovanna Cremaschi, Clarissa)
4. Camilla Battista da Varano – AUTOBIOGRAFIA


Compilação e adaptação:

Mosteiro Maria Imaculada

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