“Não é de maravilhar-se se me veio um aceso desejo de entrar dentro do Teu Coração, ó bom Jesus, porque um dia tu me mostraste que o meu nome estava escrito nele com letras de ouro.” (Sta. Camila)
Da Autobiografia de Sta. Camila Varani,
Agora direi o que aconteceu depois que vesti o hábito das clarissas. “Como nas planícies do mundo há o canto das aves, e o esplendor das flores, e os escondidos refúgios dos animais”, como diz Ubertino de Casale, assim no santo Mosteiro de Urbino encontrei os dulcíssimos cantos das orações enlevadas , a beleza dos bons exemplos, os secretos tesouros das graças divinas e dos dons do céu.
Movida pelo Espírito Santo, veio-me um santo desejo de penetrar “no interior do deserto”, isto é, nas secretíssimas penas do coração de Jesus.
Então, no profundo do coração, rejeitei toda a doçura do maná celeste, não por náusea como o ingrato povo eleito, mas por santa humildade, considerando-me indigníssima daquele dom que talvez teria podido dissipar.
Com coração puro, pedi a Deus que me alimentasse e saciasse dos amaríssimos alimentos da sua Paixão, porque a minha alma tinha fome e sede somente disto. Clamava só por aqueles, não desejava outros.
Podia dizer como a dileta esposa do Cântico: “O meu esposo é para mim um saquinho de mirra e repousará sobre meu peito”(Ct 1, 12).
Então resolvi transcorrer todo o tempo da minha oração na meditação da Paixão de Cristo e não queria mais meditar nem pensar em outra coisa. Esforçava-me quanto podia para entrar no mar amaríssimo das penas mentais do coração de Jesus. Naquele mar quereria imergir-me se houvesse podido.
Não é de maravilhar-se se me veio um aceso desejo de entrar dentro do Teu Coração, ó bom Jesus, porque um dia tu me mostraste que o meu nome estava escrito nele com letras de ouro.
Ó! quanto pareciam belas em Teu Coração vermelho as grandes e esplendentes letras de ouro: “Eu te amo, Camila!”
Mostraste-me tudo isto, ó bom Jesus, porque eu me maravilhava muito que tu me amasses tanto. Então Tu disseste que não podias não me amar, porque me trazias escrita no coração e, erguendo o glorioso braço, fizeste-me ler aquelas doces palavras.
Ó miserável de mim, porque não retomo um pouco de conforto, recordando tanto bem e amor do teu dileto Cristo? Todas estas recordações não me são conforto, mas como dardos pungentes traspassam-me o coração. Por isso não posso saciar-me de dizer: “Ó vós todos que passais pelo caminho do divino amor, parai e vede se há dor igual a minha dor”(Lm 1, 12).
Retornemos, meu Pai, à nossa narrativa. Por dois anos, talvez por dois anos e três meses, permaneci em Urbino sempre perseverando em tal desejo e oração, depois retornei a Ca merino. Durante aquele tempo fui introduzida por admirável graça do Espírito Santo, no secretíssimo tálamo do Coração de Jesus, verdadeiro e único mar amaríssimo insondável a todo o intelecto humano e angélico.
Muitas vezes teria submergido naquele mar se a potente mão divina não me houvesse ajudado. Tal amargura era muito menos suportável que a doçura do seu divino amor e dizia: “Basta, basta meu Senhor, não posso mais. Sinto-me morrer, este amor não tem fim nem fundo…”
Não digo outra coisa agora, nem direi noutro lugar. Porém não quero omitir isto: embora dos sofrimentos mentais de Jesus me fossem mostrado somente o quanto podia suportar e o quanto minha alma, por dom do Espírito Santo, podia compreender, todavia em comparação daquilo que foram realmente, o compreendi quanto seria um grãozinho de areia em comparação do céu e de toda a terra. Antes, muito menos.
Autobiografia, cap. XII