Sê Obediente

Na Escola do Doutor Seráfico

  1. Sê Obediente

A coisa mais penosa na vida religiosa, é a obediência, pois nada nos é naturalmente tão caro como a nossa própria vontade o Salvador submetia sempre a sua vontade à de seu Pai. Ele repete em múltiplas passagens dos Evangelhos, e compreendemos facilmente a razão dessa insistência. Jesus conhecia o nosso fraco, sabia por que é que nós temos sobretudo necessidade do arrastamento do seu exemplo. A obediência não é coisa fácil, realmente; seria loucura negá-lo; mas nem por isso é menos necessária, e particularmente na vida religiosa. São Boaventura escreve:

Rende a todos a honra e o respeito que lhes são, devidos. Liga importância, como à menina dos teus olhos, às prescrições da Obediência, e não somente nas coisas importantes ou de importância duvidosa. E não ajas assim unicamente para com Os anciãos e os superiores, mas para com os que são menos idosos que tu; mostra-te submisso a todos sem distinção, praticando a renúncia por amor do próprio Cristo. Naquilo que é bom ou indiferente, procura sempre cumprir a vontade alheia; procura nunca desagradar a ninguém, esforça-te, ao contrário, por tornar-te, agradável a todos, amando-os todos em Cristo. Evita as conversas particulares e muito íntimas, as amizades e familiaridades. Guarda-te sobretudo de, direta ou indiretamente, por tuas palavras, processos ou maneiras, tornar-te ocasião ou causa de ódios e de desavenças, de injúrias, de dissensões e de murmurações, ide maledicências, de escândalos, de adulações e de qualquer outra coisa semelhante.

 

1). Sê obediente nas grandes coisas.

A regra de uma comunidade encerra sempre certos pontos essenciais que constituem, por assim dizer, as colunas de apoio da vida conventual, de ordinário os pontos que se referem estreita e intimamente à prática dos votos de religião. Esses artigos constituem as grandes coisas. Observá-las ou infringi-las é de importância capital. Enquanto se é fiel em segui-las, tudo vai bem, mas, se se cessa de respeitá-las, e com elas as santas tradições do passado, os próprios alicerces da Comunidade se acham com isso abalados. Atesta-o a história. Se é exagerado atribuir sempre a decadência dos claustros ao olvido da regra, pelo menos em muitos casos é esta a Única explicação plausível. Deus vê tudo, e, quando se permitem violar sem escrúpulo pontos essenciais da sua santa regra, então, como diz o salmista, “a Sua cólera se inflama” depois de reter por longo tempo o seu castigo, Ele acaba por destruir sem piedade as casas. Pode haver períodos em que obediência nas grandes coisas corra o perigo de já não ser suficientemente tomada a sério, em que se chegue a desprezar friamente aquilo que as gerações precedentes tratavam e cultivavam com veneração. É atribuição das Superioras assinalar esse perigo, a todos pertence defender-se dos golpes perniciosos do espírito tempo. Este espírito do tempo pode sobrevir com a fúria do sobre o cimo das árvores, mas pode também insinuar-se entre nós como um sopro sutil, sem o sabermos. Se amamos a nossa comunidade, sejamos bem fiéis em observar as prescrições essenciais da nossa regra. O desastre pode ocorrer depressa.

 

2). Sê obediente nas pequenas coisas.

Mais frequentemente temos ocasião de fazer face às pequenas coisas do que às grandes. A vida é feita de uma longa cadeia de pequenas ações bem insignificantes em aparência; numa comunidade, a vida é feita de uma longa cadeia de pequenos atos de obediência. Se me sucede violar casualmente um preceito de importância mínima, posso consolar-me disso; mas, se, por inadvertência costumeira ou por desdém da autoridade, eu infrinjo sem cerimônia os pontos de detalhe da regra, estou numa trilha nefasta e trabalho para a ruína da vida conventual. Cultivo uma disposição que se arrisca a me conduzir um dia ao abandono de princípios Importantes, e, em todo caso, não posso pretender a perfeição. A perfeição e a santidade são flores que só se desenvolvem canteiro dos simples que, como Deus, tomam em consideração Tae é pequeno e humilde, aquilo de que o mundo não faz nenhum caso. O segredo da perfeição consiste sempre na estima das pequenas coisas. É pelo seu respeito das pequenas regras que os grandes Religiosos se têm santificado. Por que aspirar a outros atos de obediência, quando a fidelidade constante nas pequenas coisas já supõe uma virtude heroica? O que me cumpre adquirir é essa delicadeza de vista que me permitirá distinguir e estimar o que é pequeno, e mesmo infinitamente pequeno. Uma poeira de ouro não sempre ouro?

 

3). Obedece às mais moças como às mais idosas.

Em geral, não é muito difícil obedecer a uma Superiora de idade bastante avançada e, além disto, de um caráter atraente e amável: consideramo-la e amamo-la como uma mãe. Então as Religiosas moças, em particular, quase nem suspeitam suspeita o lado penoso da obediência. Entretanto as Superioras Gerais nem sempre estão em condições de confiar a direção das suas diferentes casas a anciãs, Muitas vezes têm de apelar para O vigor da mocidade, e por isto não é raro que nos tenhamos de submeter a freiras mais ou menos nossas iguais pela idade. Que o lado humano da obediência desempenhe então um grande papel, é coisa evidente. Parece-nos impossível, em certos casos, reconhecer na nossa Superiora O Salvador, cujo lugar ela ocupa. Essa maneira sobrenatural de encarar ‘a obediência é, no entanto, a nossa única salvação. Mais idosas ou mais moças, a minha Superiora ou a freira encarregada de dirigir meu trabalho representam sempre o Salvador. E’ nesta convicção, e nesta única convicção, que devo apoiar-me. Tudo o mais importa pouco. Basta-me ter fé, uma fé firme e robusta, e então a questão de idade não significa absolutamente nada. Acrescentemos, aliás, que também é um dever para a Superiora facilitar essa persuasão.

 

4). Sê obediente nas coisas boas ou indiferentes.

Pedindo-nos acedermos aos desejos das nossas simples companheiras, São Boaventura introduz-nos no domínio superior da vida espiritual. Não é raro que se tenha de agir contrariamente aos próprios sentimentos, coisa fatal na vida comum. Soror Maria Fidélis Weiss, diz-nos o seu biógrafo, mostrava-se sempre extremamente atenciosa, para mortificar bem a sua vontade. Uma freira pretendia que Deus ficaria mais satisfeito de ver Soror Fidélis repousar após a sua rude jornada de trabalho? Ela deixava imediatamente a capela. Quando ela havia estudado certas peças de órgão, se lhe pediam executar outra coisa, ela logo acedia de bom grado. Os santos gostavam muito dessas delicadezas, e, convidando-nos a imitá-los, é uma simples recomendação que São Boaventura exprime, e não uma ordem formal. É a título de exercícios proveitosos que ele nos anima a habituar-nos a seguir os desejos de outrem, enquanto o objeto desses desejos é bom ou indiferente, e a conter os nossos. Assim adquirimos mais rapidamente o espirito de obediência, e a submissão aos nossos superiores tornasse-nos dia a dia mais fácil.

 

5). Sê obediente evitando a intimidade e a amizade.

Nós somos naturalmente propensos, ainda que, de ordinário, inconscientemente, a querer aliviar o peso da nossa obediência, e, muitas vezes, é por meio da amizade e da intimidade que o conseguimos. Subterfúgio desaprovado pelas Superioras, sem dúvida, mas enfim a natureza humana está sempre presente! Quando uma Superiora tem muito que aturar da parte de certas Religiosas, quando sofre cruelmente em silêncio, tanto mais aprecia a perfeita docilidade das outras. Quem não vê o perigo de semelhante situação? As inferiores perdem grande parte do mérito da obediência se se aproveitam disso para mostrar-se sem dificuldade mui submissas. Deus não quer isto: Ele não admite que na vida religiosa a intimidade possa assim diminuir a pura nobreza da obediência. Se é sempre bom e desejável que uma real afeição reine entre Superioras e Religiosas, ainda mais indispensável é guardar, de uma parte e doutra, as distâncias convenientes. Nas nossas conversas familiares com as nossas Superioras saibamos guardar uma certa discrição. A verdadeira confiança deve abster-se das longas conversas, quais é bem difícil não se falar do próximo. Do mesmo modo, quando nos abrimos à nossa Superiora, como nos é permitido, sobre as nossas disposições interiores, evitemos que as nossas confidencias suscitem entre ela e nós uma intimidade incontestavelmente perigosa, e que, em todo caso, roubaria à nossa obediência grande parte da sua força e da sua grandeza ideal. A procura do bem só conhece uma espécie de intimidade, a intimidade com Deus. Sem dúvida essa intimidade isola do mundo, mas feliz a alma que vive nessa solidão! Ninguém honra tanto seus superiores como aquele que vive em união estreita com Deus; ninguém é tão submisso, tão respeitoso da autoridade, como aquele eu vive só com Deus. É assim que eu concebo e pratico a obediência?

 

6). Obedece sem murmurar.

Das comunidades não se conhece, muitas vezes, senão a fachada. A vê-las de fora, empresta-se aos seus muros uma grande aparência de piedade, quando as almas que eles abrigam nem sempre são tão fáceis assim de formar! Verdade é que a Igreja, no hino da Dedicação, chama os fiéis as pedras da celeste Sião que devem ser talhadas e polidas cá em baixo, na terra; mas esse trabalho não se opera sem dor. Muitas dessas almas têm a resistência do ferro, outras são tenríssimas, outras se quebram mui facilmente. Deus aplica-lhes constantemente o martelo por intermédio da vontade dos superiores, mas nem todas se deixam formar à Sua imagem. Em todos os conventos achamos religiosas que contrariam as ordens dadas, lhes opõem as suas críticas, semeiam a desordem e provocam o escândalo pela sua desobediência. Quando se obstinam na sua indisciplina, essas almas conservam sempre a mesma insuficiência de formação, semelhantes a blocos de mármore no estado bruto ou apenas meio esboçados numa oficina de canteiro. Um dia visitei um escultor no seu “atelier”: trabalhava ele numa estátua do Sagrado Coração, de sete a oito pés de altura, em puro mármore de Carrara brilhante como cristal, e que vibrava sob os golpes do macete com uma doçura de sino. E esse espetáculo fez-me pensar de súbito na alma humana, de um metal mais precioso do que o mármore de Carrara, de um brilho muito mais vivo do que o do cristal, e que sob os golpes da obediência dá um eco muito mais tenro do que o do mais puro bronze. Sim, como são belas as almas que se deixam docilmente modelar! Sob o camartelo da obediência elas copiam pouco a pouco os traços de uma pura e graciosa imagem, a imagem do Sagrado Coração de Jesus. Porém essa transformação magnifica só se opera naquelas que se submetem sempre sem murmurar, e que evitam cuidadosamente tudo o que possa desbotar, por pouco que seja, o prestigio da santa virtude da obediência. Sou dessas?

 

Exame.

  1. Que é obedecer nas grandes coisas? — A que podemos compará-las? — Que sucede quando deixamos de respeitá-las?
  2. A violação dos preceitos secundários é sempre sem importância? — Quais são as consequências dessa negligência? — Como foi que os grandes santos chegaram à perfeição?
  3. De quem a nossa Superiora ocupa sempre o lugar? — Tenho de lhe considerar a idade?
  4. Por que é que, nas coisas boas ou indiferentes, é recomendável preferir a opinião dos outros? — Era assim que agiam os santos?
  5. Em que medida a intimidade com as Superioras pode ser nociva à obediência? Que é que deve sempre existir entre Superioras e simples religiosas apesar da sua mútua afeição? Qual é o perigo das expansões demasiado livres entre elas? Para quem devemos reservar toda a nossa intimidade?
  6. Nunca me sucede murmurar contra as ordens recebidas?

Um Padre Franciscano


Fonte: Sponsa Christi; revista mensal para religiosas, agosto de 1953.

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