Santa Inês de Assis, OSC

Memória litúrgica, 19 de novembro
(Calendário Romano-Seráfico)

Martirológio: Em Assis, na Úmbria, no mosteiro de São Damião, Santa Inês, virgem, que, na flor de sua juventude, seguindo os passos de sua irmã Santa Clara, abraçou a pobreza com todo o seu coração sob a orientação de São Francisco.


Santa Inês de Assis, irmã da Seráfica Mãe Clara, “pelo nascimento e pela pureza” (LSC 24), é a segunda filha da Beata Hortolana e de Favarone d’Ofreduccio de Assis. Nasceu, provavelmente, em 1197.

Seu nome de batismo era Catarina (Catherina), como resultado da influência de uma viagem de Ortolana à Terra Santa, passando pelo famoso mosteiro de Santa Catarina de Alexandria, no Monte Sinai, cujos ossos guardados na igreja atraíam peregrinos que desembarcavam no porto egípcio de Damieta e prosseguiam viagem, passando pelo Sinai e posteriormente por Gaza, rumo à terra de Jesus Cristo. Esta mesma devoção inspirou também o nome de muitos mosteiros do início da Ordem de Santa Clara, e era, além disso, um nome muito comum entre as mulheres da época medieval.Quando menina, nós a encontramos em Perúgia onde a família de Favarone se refugiou durante alguns anos em consequencia das lutas que afligiram a população de Assis em revolta contra o domínio do Imperador e dos feudatários.

 Com Clara, “vive em concórdia e afinidade de alma”, mesmo sendo atraída para a vida familiar no “desejo pelo matrimônio”. “As duas irmãs estão, todavia, radicadas numa maravilhosa afeição mútua” (LSC 24), que tornará dolorosa a separação quando, aos seus 15 anos, Clara a deixa para seguir o ideal do Seráfico Pai no caminho da Altíssima Pobreza.

A luta pela vocação

“Querida irmã, ajuda-me e não permitas que me separem de Cristo Senhor!”

“[Clara], nada mais desejava e nada mais pedia com tanto ardor nas orações que dirigia a Deus, que a sua conversão. Implorava a Deus que, assim como tinham sido no meio do mundo um só coração e uma só alma, da mesma maneira continuassem ao serviço de Deus. Pedia com insistência ao Pai das misericórdias (2 Cor 1, 3) para que sua irmã Inês, que deixara em casa, sentisse o vazio do mundo e que a felicidade que só em Deus se encontra, a desviasse do propósito do casamento carnal e a encaminhasse para a união com o seu amor, para que, em perfeita virgindade, ambas se unissem ao Esposo da glória. Na realidade era extraordinário o afeto que as unia, o que por diferentes razões tornava muito dolorosa a recente separação. A divina majestade não demorou a satisfazer os pedidos de tão insigne suplicante, comprazendo-se Deus a conceder, sem demora, a graça que ela tanto desejava. Assim, dezesseis dias depois da conversão de Clara, Inês, inspirada pelo divino Espírito, dirigiu-se pressurosa para junto de sua irmã e comunicou-lhe o segredo de sua decisão: consagrar-se inteiramente ao Senhor. Abraçando-a com intensa alegria, Clara exclamou: “Dou graças ao Senhor, querida irmã, porque atendeu a minha oração a teu favor”. À maravilhosa conversão, seguiu-se uma não menos maravilhosa defesa da mesma. Sucedeu que, enquanto as felizes irmãs seguiam as pegadas de Cristo na Igreja de Santo Ângelo de Panzo, e Clara, já com mais experiência, iniciava a sua ir noviça, os familiares levantaram-se contra elas e começaram a persegui-las.

Quando se aperceberam de que Inês tinha passado para o lado de Clara, juntaram-se doze homens no dia seguinte e, cheios de fúria, dirigiram-se para o local. Exteriormente fingiam uma visita pacífica, mas no seu íntimo tinham urdido um plano malvado. Tendo já antes perdido toda a esperança de demover Clara da sua decisão, dirigiram-se a Inês e interpelaram-na: “O que vieste fazer a este lugar? Prepara-te depressa para regressar a casa conosco!” Quando ela respondeu que de maneira nenhuma estava disposta a separar-se de sua irmã Clara, um dos cavaleiros precipitou-se para ela. Enfurecido e à força de socos e pontapés, tentou arrastá-la pelos cabelos, enquanto os outros a empurravam e lhe pegavam pelos braços. Vendo-se a jovem arrebatada das mãos do Senhor como presa de leões, gritou por socorro: ‘Querida irmã, ajuda-me e não permitas que me separem de Cristo Senhor’. Enquanto os salteadores arrastavam violentamente a jovem encosta acima, rasgando-lhe os vestidos e deixando atrás de si os cabelos arrancados, Clara, banhada em lágrimas, orava. Pedia que a irmã se mantivesse firme e constante e que nela o poder divino superasse a força dos homens.

De repente, aquele corpo caído no chão tornou-se tão pesado, que o esforço daqueles homens não foi suficiente para o transportar para o outro lado dum riacho que ali passava. Mesmo com a ajuda de outros que dos campos e das vinhas acorreram ao local, não a conseguiram levantar do solo. Quando, já cansados desistiram do seu intento e não querendo aceitar a evidência do milagre, comentaram jocosamente: “Não admira que pese tanto, passou a noite toda a comer chumbo!” Monaldo, tio paterno, desesperado e furioso, levantou os braços com intenção de lhe acertar um soco brutal. Mas, quando levantou a mão, sentiu uma dor muito forte, que o incomodou durante muito tempo.

Depois de tanto sofrimento, Clara aproximou-se e pediu aos parentes que desistissem dos seus intentos e que lhe confiassem Inês, que jazia ali morta. E, enquanto eles, mal humorados, se afastaram sem terem logrado os seus intentos, levantou-se Inês cheia de alegria. Feliz por ter travado o primeiro combate pela Cruz de Cristo, consagrou-se para sempre ao serviço de Deus.

Foi o próprio bem-aventurado Francisco que lhe cortou os cabelos e as instruiu a ambas no caminho do Senhor.”

O nome de “Inês” foi-lhe dado por nosso Pai S. Francisco, pois “havia combatido varonilmente e resistido corajosamente pelo Cordeiro Imaculada, isto é, por Jesus Cristo imolado por nossa salvação” (cf. AFH 13, 1920, p 275). 

O mesmo a conduziu com a Mãe Clara ao pequeno mosteiro de São Damião onde, mais tarde, foram seguidas por sua irmã, a Beata Beatriz de Assis, e sua mãe, a Beata Hortolana. Ali, Inês não receou abraçar os sofrimentos, as fadigas e as privações d pobreza. Nós a vemos presente quando o óleo vem a faltar e a Seráfica Mãe, por sua oração, opera um milagre, fazendo o vaso encontrar-se cheio (cf. ProcC I, 15). Seguindo o mesmo caminho que sua irmã, Inês ama a contemplação do Cristo pobre, desde o mistério da Encarnação ao mistério da Paixão. Fr. Lucas Wadding (1588 – 1657), recorda o episódio de uma visão que Inês teve na Natividade do Senhor. Com efeito, a iconografia representa muitas vezes com o Menino Jesus.

A Crônica dos XXIV Gerais da Ordem dos Frades Menores conservou uma pequena narrativa biográfica de Santa Inês, descrevendo sua fidelidade e assiduidade à oração. Pela tradição temos presente que possuía uma terna e afetuosa devoção ao Menino Jesus e ao Crucificado. A tradição narra que ficou marcada com um sinal no rosto, devido a um beijo do Menino Jesus. Fazia penitências ásperas, mortificações penosas e jejuns rigorosos. Era de um temperamento dócil, delicado, tranquilo. Caridosa e terna, era cheia de solicitude pelas irmãs que sofriam. Era prudente e madura, testemunho de constância e fidelidade ao compromisso assumido no albor de sua juventude, no desabrochar de seus verdes anos oferecidos ao Senhor.

Através da “Vita”, inserida na Crônica dos XXIV Gerais, sabe-se que “uma vez, conservando-se à parte das outras, no silêncio da noite, enquanto perseverava em devota oração, a bem-aventurada Clara que rezava mais demoradamente, a viu elevada da terra em oração e, assim, suspensa no ar, coroada por um anjo que, em três intervalos de tempo, lhe colocou sobre a cabeça três coroas. No dia seguinte, constrangida em virtude da obediência, pela bem-aventurada Clara, narrou o seguinte: em primeiro lugar, meditava com compaixão e dor, na bondade e paciência de Deus que, cada dia, se deixa ofender pelos pecadores; em segundo lugar, meditava sobre seu amor inefável para com os pecadores e como, para sua salvação, sofreu a morte e uma amaríssima Paixão; em terceiro lugar, meditava sobre as almas do purgatório, sobre suas penas e como elas não podem, por si mesmas, se aliviarem.”

Uma santa abadessa

“Com o exemplo da santidade de sua vida e com a sua palavra doce e persuasiva, plena de amor de Deus, fervente no desprezo do mundo, plantou naquele mosteiro, como desejava Santa Clara, a observância da pobreza evangélica”. 

Provavelmente em 1221, dez anos depois dos inícios de São Damião, Inês foi enviada a Florença, juntamente com Irmã Giácoma, descrita como “companheira de Inês, irmã de Clara”.

Este mosteiro florentino, Santa Maria em Monticeli, tinha como abadessa, desde 1219 por bula de Honório III, uma jovem de família nobre, chamada Advegnente de Albizzo de Amadei, e não distava muito da comunidade de Frades Menores. Advegnente, com algumas companheiras (Boaventura, Giovanela, Lucia, Cristina), iniciara uma vida pobre no estilo de São Damião a 25 de março de 1218, quando o próprio Francisco de Assis, passando por Florença, consagrou-as na Igreja de Santa Maria, na localidade de São Galo e, em seguida, foram acompanhadas a Monticelli onde deram início oficial à vida clariana. A igreja e o mosteiro haviam sido construídos com a aprovação do Cardeal Hugolino e a generosa doação de benfeitores.

A 19 de março de 1217, na presença do Bispo de Florença, Monsenhor Giovani Veletri, e do delegado oficial do Cardeal Hugolino, Belinguiero Gerolami, foi ratificado o documento de doação do terreno. Estavam presentes Advegnente e suas companheiras, que já residiam na igreja de Santa Maria do Santo Sepulcro, em Florença, à espera das luzes de Deus e da possibilidade de iniciar a vida pobre e penitente das clarissas, tendo por modelo o mosteiro de São Damião de Assis.

A 27 de março de 1219 a fundação fora aprovada oficialmente pelo Papa Honório III, que concedeu também o Privilégio da Pobreza à comunidade nascente. Procuravam aproximar-se em tudo, o mais possível, do ideal evangélico vivido em São Damião de Assis, e tinham na pessoa da Seráfica Mãe Clara uma referência contínua. Solicitaram então, a conselho do próprio Francisco e dos Frades, a presença de irmãs do próprio mosteiro de São Damião, que ao menos temporariamente as orientassem no espírito da Ordem. Francisco “mesmo prometeu enviar Inês de Assis às irmãs florentinas”. Inês “foi mandada pelo bem-aventurado Francisco como abadessa em Florença, onde… com o exemplo da santidade de sua vida e com a sua palavra doce e persuasiva, plena de amor de Deus, fervente no desprezo do mundo, plantou naquele mosteiro, como desejava Santa Clara, a observância da pobreza evangélica”. (Crônica do mesmo mosteiro de Monticeli)

Ir. Inês e Ir. Giácoma chegaram poucos meses antes do Natal de 1221. Logo ao chegar, Inês assumiu os cuidados da comunidade, como abadessa, sendo uma presença discreta e acolhedora, materna, sensível, cultivando em suas irmãs o autêntico espírito da vivência das Irmãs Pobres. Todas lhe prestaram obediência com cortesia e reverência, sendo-lhe dóceis e dedicadas e disso Inês ficou sumamente admirada e edificada.

Esta partida foi para ela uma prova muito dura. Assim o expressa numa carta escrita logo depois da chegada a Florença. É a única que se conserva, infelizmente, pois se presume que a correspondência tenha continuado posteriormente. Nesta carta, expõe toda a dor pela qual passa, por estar separada das irmãs que tanto ama e com quem pensou que viveria por toda a sua vida. Entretanto, fala também da alegria que experimentou pelo acolhimento carinhoso das novas irmãs e de como se surpreendeu pelo espírito de obediência e docilidade que demonstram para consigo. Acena brevemente ao fato de o Papa ter acedido aos seus pedidos e pede que as irmãs roguem ao Frei Elias que as visite com frequência para consolá-las no Senhor.

Em 1222, na primavera (entre março e junho), o Cardeal Hugolino visitou pessoalmente as irmãs e os frades de Florença. Queria que Inês fosse a Milão para realizar outra fundação, mas como estivesse há tão pouco tempo na direção e cuidado das Irmãs, a escolha recaiu sobre Ir. Giácoma.

Em 1235, na primavera, após a Páscoa, passou por Florença Irmã Iluminata de Assis. Dirigia-se a Mântua, para auxiliar numa nova fundação, juntamente com Irmã Ana, também de Assis. Frei Leão Perego, ministro provincial da Lombardia, pedira a presença das damianitas em Mântua, numa comunidade de mulheres reunidas em Tieto, numa localidade chamada Miliarino, para seguir a Forma de Vida das Irmãs Pobres. Com a aprovação do Cardeal Hugolino, agora Papa Gregório IX, a Mãe Clara decidira, então, enviar também Ir. Inês a Mântua, com algumas irmãs de São Damião e de Florença. Ainda no ano de 1235 chegaram a Mântua Ir. Inês, Ir. Iluminata, Ir. Ana, Ir. Andrea e Ir. Madalena. Irmã Ana de Assis recebeu mais uma missão: partiu de Mântua para Veneza, para dar auxílio a uma comunidade de Clarissas, em 1237 ou 1242. E Santa Inês retornou a Florença justamente num período entre estas datas, pelo que resulta das pesquisas. Neste tempo era abadessa em Monticeli novamente Advegnente, que morreria nesta fundação de Florença no ano de 1259, deixando um belíssimo exemplo de santidade e testemunho de vida evangélica e amor à Ordem. As fundações de Veneza, Pádua, Milão e várias outras cidades teriam reclamado a presença de Santa Inês para orientá-las, e houve mesmo quem a tivesse colocado aí, em narrativas bem posteriores. Mas historicamente, até onde podemos hoje chegar através de investigações e pesquisas rigorosamente comprovadas, apenas Florença e Mântua tiveram esse privilégio de ter a orientação da santa irmã de Clara.

Em Monticeli de Florença, Inês conheceu uma jovem chamada Humiliana de Cerdi, que desejou muito ingressar no mosteiro das Clarissas, mas por vontade dos parentes teve de se casar aos 15 anos. Nas enormes dificuldades e sofrimentos, encontrava força nos diálogos com Santa Inês, que se tornou sua orientadora espiritual. Por conselho de Frei Miguel, Humiliana ingressou na Ordem Terceira Franciscana. Levou uma vida santa, teve duas filhas e ficou viúva com menos de vinte anos. Morreu em 1246 e foi a primeira Santa de Florença, da Ordem Franciscana.  

Irmã morte

“Logo virás ao Senhor atrás de mim e, antes que eu me separe de ti, será concedida pelo Senhor uma grande consolação”. 

 Somente em 1253, perto da morte da Mãe Santa Clara, é que Santa Inês retorna a Assis. Ali, continua profundamente unida a Ir. Advegnente e à comunidade de Florença. Numa situação oportuna, solicita do Papa Inocêncio IV a confirmação do Privilégio da Pobreza para o mosteiro de Florença. Em data de 26 de maio de 1253, de Assis, endereçada ao Cardeal Reinaldo, o Papa confia em proteção solícita a ele mesmo e a seus sucessores o mosteiro de Monticeli, até que a abadessa e as irmãs mantivessem o propósito de nada possuir além de Deus.

 Através da Crônica dos XXIV Gerais, de 1300, sabemos que Santa Inês morreu em São Damião, a 27 de agosto de 1253, dezesseis dias após a morte de Clara. Tinha cerca de cinquenta e seis anos. Da Legenda de Santa Clara sabemos da promessa que nossa Seráfica Mãe fez à sua irmã que lhe estava bem próxima:

“Agrada a Deus, irmã caríssima, que eu parta; mas tu, deixa de chorar, porque logo virás ao Senhor atrás de mim e, antes que eu me separe de ti, será concedida pelo Senhor uma grande consolação”.

Realmente, poucos dias depois, Santa Inês, chamada às núpcias do Cordeiro, seguiu a Santa Madre na alegria celeste.

A glória dos altares!

Na ocasião da morte de Santa Inês, uma multidão da cidade de Assis acorreu ao mosteiro, aclamando-a como santa. Ao subirem pela ponte levadiça do mosteiro, houve um acidente, devido ao excesso de peso, em que muitas pessoas ficaram feridas na queda. Entretanto, como primeiro sinal de suas virtudes sobrenaturais e de sua santidade, ao ser invocada, curou milagrosamente seus ferimentos. Assim, confirmou-se para a população a certeza de sua santidade, depois ratificada pela Igreja.

Santa Inês foi solenemente canonizada a 15 de abril de 1752, pelo Papa Benedito XIV. Foi sepultada inicialmente na cripta ao lado da capela, no mosteiro de São Damião. Em 1260 seu corpo foi exumado e transportado para junto do túmulo de nossa Mãe Santa Clara, na Basílica, dentro dos muros de Assis. Ali repousa, juntamente com a Beata Hortolana, sua mãe, e outras irmãs que haviam morrido antes da transferência das primeiras Clarissas para o Protomosteiro de Assis.

São dezesseis as clarissas bem-aventuradas, dentre as primeiras damianitas, além da Mãe Santa Clara e de Santa Inês.

Santa Inês de Assis, rogai por nós!

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